Wednesday, August 02, 2006

na véspera

Até dois meses atrás, ela viveu na tentativa de diminuir o ritmo das horas e de adiar a despedida. Vivia cada minuto com uma delicadeza e uma certeza que quase faziam o tempo parar. Tirava fotografias mentais: gravava um rosto, uma voz, uma cena, uma sensação. Gravava com o cuidado do mais impecável dos cineastas. Slow motion. E então, quando ele se foi, ela inverteu o jogo. Passou a viver adiantado.

[O tempo passa de um jeito estranho quando a gente deseja deseperadamente que ele passe. Passa sem sentir. A gente deseja tanto o próximo mês, a próxima semana, o próximo dia, a próxima hora.. Que acaba esquecendo de viver o agora.]

Agora, quase chegada a hora, ela se pergunta por onde andou nesses 60 dias. Não sabe se fez tudo o que deveria fazer, visitou os lugares que desejava ter visitado, abraçou as pessoas que gostaria de ter abraçado e disse as coisas que precisavam ser ditas. Ela não sabe nem mesmo se sabe o que está fazendo.

Anestesia.
Dois meses de anestesia.

Ela senta em frente ao computador, olha a varanda, revê as fotos, remexe na mala. Não, não lhe parece que está indo embora do telhado antigo. Não lhe parece nem mesmo que o telhado é antigo. O telhado que ela tanto quis largar, agora lhe parece adorável..

[Nostalgia é uma coisa que cega. Nos faz deixar de ver as coisas ruins e só nos permite contemplar as maravilhas. Doce miragem...]

Ela pensa. Em tantas pessoas e tantos lugares. Em mil coisas.
Mas não funciona.
O filme continua a adiantar.
Anestesia.